terça-feira, 21 de julho de 2020

Abuso Sexual - punição mais rigorosa


"Em primeiro lugar, queremos o aumento da pena quando o crime for cometido por um líder religioso. Também tem a questão da prescrição, que é preciso subir de 70 para 80 anos". A proposta de endurecimento da punição contra quem pratica abusos sexuais foi defendida pela titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ministra Damares Alves, nesta segunda-feira (13), durante cerimônia alusiva aos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Palácio do Planalto, em Brasília (DF).

A proposta, que altera o Código Penal e o Código de Processo Penal, também tem o objetivo de aumentar as penas contra profissionais de saúde e de ensino e qualquer outra pessoa que se aproveite da confiança da vítima para cometer abusos sexuais. A iniciativa integra o Plano de Contingência para Crianças e Adolescentes, lançado pelo Governo Federal na ocasião.

"Recentemente, o emblemático e conhecido caso do médium João de Deus expôs para o país a necessidade de uma forte atuação na repressão de crimes de natureza sexual praticados, via de regra, com o abuso de confiança", afirmou a ministra.

Neste contexto, a ministra também ressaltou a importância de denunciar os crimes. "O MMFDH possui os canais Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher). Os serviços são gratuitos e podem ser acionados de qualquer lugar do país, seja por ligação, aplicativo, site. Não podemos nos calar", enfatiza.

Caso João de Deus

Em dezembro de 2018, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) divulgou o primeiro balanço relacionado ao caso que teve grande repercussão nacional. De acordo com os dados levantados pela investigação, foram identificadas 255 vítimas do médium João Teixeira de Faria, o João de Deus.

Das 255 pessoas identificadas, 23 eram menores - entre 9 e 14 anos - na ocasião dos fatos; 28 tinham entre 15 e 18 anos; e 70 possuíam idade entre 19 e 67 anos.

Plano de Contingência

No dia em que o ECA completou 30 anos, o Governo Federal lançou o Plano de Contingência para Crianças e Adolescentes. A ação integrada é uma resposta aos riscos à saúde e aos desdobramentos socioeconômicos que atingem as populações mais vulneráveis durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Além do MMFDH, integram a iniciativa os ministérios da Educação (MEC), da Saúde (MS), da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), da Cidadania (MC), da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Defesa (MD). A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Casa Civil, por meio do Programa Pátria Voluntária, também são parceiras da ação.

Estatuto

Sancionado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente é o principal instrumento normativo do Brasil que estabelece direitos e garantias especiais às crianças e adolescentes.

Mais informações:
Assessoria de Comunicação Social do MMFDH
(61) 99558-9277

Violência Infantil - 57% ocorrem dentro de casa.



Quase 7 em cada 10 crianças (67%) da América do Sul e do Caribe, com idades entre 1 e 14 anos, já sofreram punições corporais. O dado é do estudo ‘Ending Violence in Childhood: Global Report 2017’.

E o Brasil não foge dessa tendência: 68% das crianças brasileiras com até 14 anos, o equivalente a 30,3 milhões de crianças, já sofreram violência corporal em casa.

Além disso, 58,9% das denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, via canais como o Disque 100, são referentes a algum tipo de violência contra crianças e adolescentes. Só em 2017, foram 84.049 denúncias do tipo. No ano anterior, haviam sido 76.171.

Os principais tipos de violência denunciadas são: negligência (61.416), violência psicológica (39.561) e violência física (33.105).

O balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos aponta, ainda, que 57% dos casos de violência contra crianças e adolescentes denunciados acontecem dentro da casa da vítima. As vítimas mais frequentes são meninas negras (pretas e pardas) com idades entre 4 e 17 anos.

A vida de quem sofreu violência na infância

Moradora de Cruzeta, município do interior do Rio Grande do Norte, a dona de casa Daniela, de 35 anos, relata que o pai a agredia desde muito cedo.

“Eu tinha cinco anos e minha mãe já me obrigava a limpar a casa e lavar a louça. Se eu não fizesse as tarefas direito, ela falava para o meu pai e ele me batia”. Por conta da violência, um dos irmãos de Daniela fugiu de casa aos 20 anos.

Enquanto os sete filhos homens trabalhavam com o pai num sítio, as três filhas realizavam as tarefas de casa com a mãe.  “Isso era escravidão. E quando meu pai me batia por não ter feito algo certo, até aparecia um pouco de sangue na pele”.

Além da violência física, ela também relata que sofreu tentativas de abuso sexual dentro de casa. “Meu irmão tentou me assediar quando eu tinha nove anos. Eu contei para minha mãe e ela falou que eu que tinha o induzido. Acabei apanhando por conta disso”.

O episódio de abuso se repetiu três anos depois, mas com outro agressor. “Meu pai tentou me assediar quando eu tinha 12 anos. Minha mãe viu, mas disse para eu não falar para ninguém na cidade”.

Daniela saiu de casa quando tinha 21 anos com a ajuda de Carlos, com quem se casou e vive até hoje. “Eu não aguentava mais tanto sofrimento”, lembra.

Apesar de tudo, Daniela mora perto dos pais e é a principal responsável por cuidar deles. Ela se mostra infeliz com a atual situação, já que os irmãos só a ajudam com a parte financeira. “Mesmo com a cuidadora, eu tenho que dormir lá, já que meu pai pode cair da cadeira de rodas e precisar ser levado ao hospital”.

O pai de Daniela, que tem 86 anos, foi diagnosticado com Alzheimer e precisa do auxílio da cadeira de rodas para se locomover.

Por conta do que viveu quando mais nova, Daniela procurou um psicólogo, mas diz ter superado apenas parcialmente os traumas.

Quando há violência dentro de casa, todos são afetados

Regina veio com a mãe e o irmão mais velho do Nordeste para a capital paulista quando tinha apenas sete anos de idade. E, assim como Daniela, foi agredida incontáveis vezes pelo próprio pai.

“Ele (o pai) veio para São Paulo e depois voltou para o Nordeste. Disse a minha mãe que tinha casa mobiliada, escola para estudarmos, entre outras oportunidades de uma vida melhor. Quando viemos, vimos que não era nada disso que ele tinha falado”.

Foi então que a mãe de Regina procurou uma casa para alugar, mas o marido não ajudava com as despesas. “Aqui em São Paulo, ele começou a beber demais e parou de trabalhar”.

Com o pai alcoólatra, os problemas na casa de Regina começaram. “Uma vez ele acertou uma pedra na minha cabeça. Eu acabei desmaiando e levei seis pontos”.

Além dela, as agressões também aconteciam com o irmão e a mãe. Regina diz que o irmão, um ano mais velho que ela, enfrentava o pai. “Ele tinha apenas oito anos, mas já brigava com ele. E eles brigavam de verdade”.

Um relatório da Unicef diz que, em todo o mundo, uma em cada quatro crianças menores de 5 anos vivem com uma mãe que é vítima de violência por parte de um parceiro. Esse índice corresponde a 176 milhões de crianças.

Por conta do medo do pai bater nela e no irmão, Regina estava sempre atenta. “Já que minha mãe nos protegia, ele aproveitava para nos bater se ela dormisse. Às vezes eu tinha que passar noites em claro. Algumas vezes minha mãe também preferia ficar acordada e nos deixar dormir”.

Um levantamento que é realizado desde 2005, ano anterior à promulgação da Lei Maria da Penha, feito pelo DataSenado, constatou um aumento significativo do percentual de mulheres que declararam ter sido vítimas de algum tipo de violência. Em 2015, o percentual era de 18%. No ano de 2017, o índice chegou a 29%.

Entre as violências sofridas por mulheres, as mais citadas na pesquisa são: física (67%), psicológica (47%) e moral (36%).

Para o psicólogo Cezar Siqueira, o machismo é um dos principais causadores da violência doméstica, já que “os homens são os principais autores na maioria dos casos de violência”.

Além da violência física, Regina também conta que o pai abusou sexualmente dela por seis anos. “Ele me falava que iria me matar se eu abrisse a boca para contar sobre o abuso para alguém”.

Regina diz que chegou a falar com a mãe sobre os abusos, mas ela dizia que “nunca havia percebido nada”. Regina completa ao dizer que naquela época falar sobre esse assunto era um tabu muito mais delicado do que hoje e que a mãe não tinha para quem recorrer.

Mesmo com tantos episódios traumatizantes, Regina não fez questão de procurar ajuda psicológica. Apegou-se à religião e diz que frequentar a igreja a ajudou nessa questão.

Ainda assim, ela observa na própria vida que um trauma surgiu por conta da vivência com o pai. “Quando fiquei grávida do meu primeiro filho, eu terminei o namoro com o pai da criança. Eu tinha medo que ele pudesse ser igual ao meu pai”.

Felizmente, a convivência com o pai de seu filho foi diferente. Ela diz que, graças a ele, mudou um pouco a ideia sobre pais.

Hoje com 44 anos, Regina trabalha como auxiliar de professora em uma escola infantil e é mãe de dois filhos, um rapaz de 21 anos e uma menina de 15. “Hoje sou uma pessoa amorosa. Acho que foi por conta do que sofri. Sempre falei que não deixaria meus filhos passarem pelo que eu passei”.

A repetição do ato

O psicólogo Cezar Siqueira diz que, na maioria dos casos com os quais teve contato, a pessoa que cometeu violência também sofreu abusos na infância, mas que isso não é uma regra.

Ele alerta que não se deve olhar o agressor como “monstro”, já que existem comportamentos ensinados na sociedade que fazem com que ele repita os atos.

“Dizer que o agressor é um monstro, é matar qualquer possibilidade de resolução. Provavelmente, o agressor está reproduzindo algo da cultura em que vivemos”.

Outro ponto que o psicólogo aponta são as consequências, em relação à conduta social daquela pessoa que sofreu violência doméstica na infância.

“O sujeito vai na sua vida adulta presentificar alguma conduta que é reflexo do passado. Então, o que vai se configurando no inconsciente dessa criança enquanto ela está em desenvolvimento será atualizado na relação com o outro mais tarde”.

Com isso, o psicólogo cita o exemplo de uma criança que vê nos pais figuras de autoridade. Possivelmente, a criança pode levar essa construção para o ambiente escolar, em que o professor também é visto como uma figura de autoridade.

“Então se a relação com os pais for configurada por meio da intimidação, é possível que essa criança na sua vida adulta vá se sentir intimidada pelas figuras de autoridade, desenvolvendo nessas figuras uma relação tal como tinha com os pais: subserviência, atendimento às demandas, medo de errar. Assim como a violência, que também pode ser transferida se vivenciada em casa”.

Através dessa explicação das consequências na vida adulta, em que ações podem ser repetidas, Cezar aponta a importância de se fazer acompanhamento psicológico.

“É nessa hora que a terapia e a análise entram. É nessa ação que o jovem ou adulto é capaz de revisitar sua história e produzir efeitos de rompimento com essa repetição”.

A necessidade de procurar ajuda

O psicólogo também diz que é recomendável que a criança que sofreu algum tipo de violência comece a fazer acompanhamento psicológico o quanto antes, mas que “não há um momento certo para tratar o psiquismo adoecido”.

Para explicar esse raciocínio, Cezar traz os conceitos por trás da consciência e da inconsciência.

“A nossa consciência funciona de forma temporal, uma noção de passado, presente e futuro. Já para o inconsciente não há passado, pois o acontecimento não passou”, explica Cezar em relação aos traumas.

“O inconsciente é um arcabouço de coisas que não se encaixaram na lógica da consciência, de passado, presente e futuro. Logo, o que está no inconsciente está o tempo todo presente exercendo efeitos”.

Fonte: Por Caio Lencioni - Observatório do 3ºSetor.